Tempo de leitura: 12 minutos

Em minhas palestras e treinamentos, costumo destacar a Comunicação Não Violenta (CNV) como ferramenta essencial para a colaboração e respeito no ambiente de trabalho. No entanto, tenho observado um paradoxo preocupante na prática diária das empresas: uma versão distorcida que apelidei de Comunicação Muito Violenta (CMV). Neste artigo, convido você a explorar comigo como, sob o manto dos feedbacks “honestos” e da incessante busca por fit cultural, esconde-se uma romantização do esforço desmedido e do hiperprodutivismo. Frequentemente, somos seduzidos pela promessa de que a sobrecarga de hoje é o preço infalível para o sucesso de amanhã. Simbora desmascarar juntos essas dinâmicas de poder e exclusão, que contradizem os princípios da CNV que tanto promovemos.

Feedbacks: Entre a Crítica Construtiva e o Assédio Velado

Nas minhas andanças pelo mercado coorporativo – e também no setor público. O senhorito não vai se livrar dessa! – observei que a “honestidade” no feedback muitas vezes serve apenas como um manto elegante que camufla intenções não tão nobres. Embora eu já tenha escrito sobre como o feedback deve ser abordado com pessoas neurodiversas (Deixe para clicar depois. Termine de ler esse artigo), mostrando caminhos para uma comunicação inclusiva e efetiva, aqui exploraremos o outro lado da moeda.

Sob a bandeira da “transparência”, gestores lançam críticas que são mais pessoais do que profissionais, exibindo sua autoridade enquanto negligenciam o impacto humano de suas palavras. Esta prática não só desvaloriza o indivíduo, mas também perpetua uma cultura de medo e conformidade, onde o feedback não é uma ferramenta para o desenvolvimento, mas um instrumento de controle e repressão.

O disfarce da honestidade facilita uma gama de abusos verbais que são injustamente rotulados como “necessários para o crescimento profissional”. Essas críticas, frequentemente recheadas de sarcasmo e desdém, não oferecem um caminho para a melhoria, mas sim um espelho distorcido que reflete as preferências e preconceitos do emissor. Longe de serem construtivas, essas interações corroem a autoestima, alimentam a ansiedade e promovem um ambiente onde a insegurança floresce.

Deixa eu te dar dois exemplos reais, vivenciados in loco, mas com nomes fictícios para preservar a identidade e empresas (apesar de estar com uma vontade imensa de marcá-las no artigo):

Clara, uma desenvolvedora pleno em uma empresa de software (grande e com um selo desejadíssimo de Great Place To Work). Durante uma reunião de equipe, seu lider comentou, com um sorriso irônico, “Clara parece que está mais presente no mundo da lua do que em nossas discussões. Talvez isso explique os atrasos nos seus projetos.” O comentário, entregue com um verniz de brincadeira, não apenas humilhou Clara diante de seus colegas, mas também ignorou completamente sua jornada de trabalho extenuante, incluindo longas horas tentando corrigir erros de código deixados por outros.

Apenas com esse exemplo já vejo algumas pessoas arremessando suas cópias de Pai Rico, Pai Pobre e Foda-se em mim chamando de mi-mi-mi. Afinal, Piper in ano alieno refrigerium est. Vamos para mais um exemplo de mi-mi-mi.

Marcos, um gerente de vendas de uma multinacional de produtos esportivos, cujos números não atingiram as expectativas no último trimestre. Em um reunião de alinhamento com o time, seu superior comentou, “Seu desempenho está começando a se tornar parecido com a organização do seu setor, Marcos”. O setor em que trabalhava tinha alta rotatividade e com time reduzido não conseguia manter layout organizado e produtos dobrados e alocados corretamente.

Essas situações são aplaudidas por alguns como mera eliminação de ineficiências, ou pior, glorificadas como lições de “tough love” indispensáveis para forjar ‘verdadeiros profissionais’. No entanto, não posso deixar de questionar: Será que estamos construindo profissionais mais resilientes ou apenas seres humanos mais ressentidos e desiludidos?

E se essa é a face visível do que chamamos de desenvolvimento profissional, o que diremos então das sutilezas escondidas nas práticas de fit cultural? Será que a sobrevivência no ambiente corporativo deve sempre depender de jogar o jogo do fit cultural, mesmo quando isso significa sacrificar a própria identidade e valores?

Fit Cultural: A Exclusão Disfarçada de Seleção

Bem-vindos ao clube exclusivo onde a diversidade é celebrada na teoria e aniquilada na prática. Nas salas de reuniões com pôsteres de “todos são bem-vindos”, a busca por fit cultural muitas vezes se revela um código secreto, “não desafie o status quo”. Com um sorriso corporativo, gestores falam de inclusão enquanto praticam a exclusão, filtrando meticulosamente qualquer um que não se molde à imagem preconcebida de sucesso da empresa. Aqui, a diversidade de fachada é aplaudida, enquanto a verdadeira diversidade de pensamento, estilo e identidade é sistematicamente barrada à porta.

A ironia de tudo isso é quase palpável. Prega-se a inovação, mas pratica-se a conformidade. Exalta-se o pensamento crítico, mas recompensa-se a obediência silenciosa. Este fit cultural, tão meticulosamente curado, não é nada mais do que um mecanismo sutil de controle, vestido com o traje de trabalho em equipe e coesão.

A pergunta que fica é: até quando o verniz de uma cultura inclusiva mascara a realidade de uma cultura exclusiva e homogênea? Quando começaremos a valorizar as verdadeiras diferenças que cada indivíduo traz para a mesa, em vez de forçá-los a se encaixar em moldes pré-fabricados que servem apenas para manter a ilusão de harmonia?

O Culto à Hiperprodutividade: Sucesso a Qualquer Custo?

Aqui, seguimos o dress-code das redes sociais do seu coach preferido, a hiperprodutividade. Onde a última moda é transformar esgotamento em emblema de honra. As empresas não apenas glorificam o excesso de trabalho, mas o elevam ao status de virtude necessária para o sucesso. “Quem não está sobrecarregado, realmente está se esforçando?” parece ser o novo mantra corporativo. As noites sem sono e as semanas sem um dia de folga são vendidas como o preço do progresso, enquanto a saúde mental dos colaboradores paga o verdadeiro custo. A longo prazo, esse ambiente não cultiva líderes, mas sim sobreviventes de uma maratona insana que glorifica a exaustão como símbolo de comprometimento e ainda questionam o por quê das novas gerações não desejarem ser líderes em seus setores. Porque será, hein?

E quais são as verdadeiras consequências dessa adoração ao altar da produtividade? Um ciclo vicioso de estresse e burnout que se perpetua silenciosamente, corroendo a inovação e criatividade. As organizações falham em reconhecer que ao pressionar incessantemente por mais horas e mais entregas, estão, na verdade, pavimentando um caminho de desgaste e descontentamento. A saúde mental dos colaboradores se deteriora, não por falta de capacidade, mas por um ambiente que confunde toxicidade com eficiência. E no final, o que resta são talentos queimados, cujo potencial foi consumido pela incessante demanda por mais.

Só que aqui há um espaço reservado para uma palavra usada à torto e à troncho, meritocracia. Não vê relação? #VemComOTio.

O que tem além do esforço? Além da meritocracia, o sociólogo Pierre Bourdieu nos ajuda a descortinar a cortina de fumaça que esconde o que está além do seu esforço, do seu desgaste e da sua vontade justa de crescer e se desenvolver. Mais que o capital financeiro que conhecemos e que é o foco de muitas pessoas, é preciso entender outros tipos de capital.

O capital social, por exemplo, mostra como portas podem se abrir mais facilmente para alguns, baseados nas redes de contatos que possuem, enquanto outros batem na mesma porta sem resposta. O capital cultural favorece aqueles que já partem de uma posição privilegiada, armados com conhecimentos e habilidades que são mais acessíveis às classes mais favorecidas. E o capital simbólico, onde o prestígio e o reconhecimento decidem quem avança e quem é deixado para trás, muitas vezes baseados mais na imagem do que na substância. Para adicionar uma pitada à mais de humor nessa tragicomédia, não podemos esquecer da “Geograficocracia” e da “Herançocracia”, onde seu sucesso pode depender tão somente de onde você nasceu ou de quem você conhece. Este jogo de cartas marcadas revela que o esforço individual, embora louvável e necessário, é apenas uma peça de um tabuleiro muito mais complexo e muitas vezes, manipulado.

A narrativa de que apenas o trabalho duro leva ao sucesso é não apenas enganosa, mas profundamente nociva e já passou da hora de questionar se queremos continuar venerando este culto à hiperprodutividade ou se devemos repensar nossos valores e práticas para criar um ambiente de trabalho verdadeiramente saudável e sustentável. Mas antes, precisamos abordar um último ponto (mais uma pá de cal).

Boas Práticas de Gestão de Pessoas para quem?

Volto a citar a Ironia do Inclusivo: As corporações modernas adoram desfilar suas políticas de inclusão e diversidade como medalhas de honra, mas quantas realmente praticam o que pregam?

Sob a superfície brilhante dessas declarações, frequentemente descobrimos uma realidade menos colorida e mais monocromática. Promessas de um ambiente inclusivo muitas vezes esbarram nas paredes de cubículos onde preconceitos sutis e não tão sutis ainda ditam quem avança e quem permanece estagnado. Em muitos casos, a inclusão não passa de um verniz superficial, aplicado para melhorar a imagem corporativa, enquanto as práticas cotidianas continuam a reproduzir as mesmas desigualdades e exclusões.

Lindo para aquele relatório de ESG, feio para quem vive o dia a dia. E nesse momento, já tem gente que arremessou suas cópias dos livros “Deixe de ser pobre”, “As 48 leis do poder” ou “Os 7 Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes” (esse, em particular, me chama a atenção pela pretensiosidade, mas isso é papo para outra conversa sobre a auto ajuda que ajuda o autor. Por isso, auto ajuda).

#NoFrigirDosOvos

Não vou terminar com respostas. Se você entendeu, vai refletir e revisitar suas práticas. Se não entendeu, leia novamente (se quiser). Se achar que essa conversa é frescura, você faz parte de um grupo seleto e predominante de “Alfas” com um Mindset da prosperidade que já instalaram seus drivers e corrigiram o pensamento de escassez que inunda todas as pessoas. Não é?

blank