Você já sentiu como se cada dia fosse uma batalha, não só para melhorar, mas para simplesmente funcionar no mundo? Se você, como eu, vive com autismo ou TDAH, esse sentimento pode ser uma constante. Aqui vale ressaltar um ponto importante: fugir do esforço usando justificativas como “Isso é uma imposição de uma sociedade neurotípica”, “As pessoas querem que você seja funcional para produzir mais”, ou “As pessoas têm que me aceitar do jeito que eu sou e pronto”, só adiciona mais sofrimento. Além de demonstrar uma falta de compreensão de que, para além dos comprometimentos de uma vida com neurodivergências, a experiência humana é construída sobre adaptação, a qual exige esforço e desgaste.
Por Júlio Diógenes
Quero esclarecer algo crucial: há uma grande diferença entre o esforço necessário para uma vida funcional e o mascaramento que busca apenas a aceitação externa. Esse esforço não é apenas sobre fazer as coisas, é sobre crescer e aprender a viver melhor comigo mesmo e com os outros, aceitando as adaptações necessárias e reconhecendo que, às vezes, o desgaste faz parte do processo de alcançar uma vida plena e autêntica.
O Esforço Como Chave no Tratamento
Para mim, que vivo com o Autismo, TDAH e a Epilepsia, o esforço é fundamental, não apenas desejável. Te explico: Ele é parte crucial do meu processo terapêutico, ajudando a construir habilidades sociais, de comunicação e de autogestão que são vitais para o meu bem-estar. Este esforço vai além do simples cumprimento de tarefas; envolve aprender a gerenciar emoções, praticar paciência e reconhecer quando preciso de ajuda, o que melhora minha capacidade de funcionar no dia a dia e transforma minha vida.
Este processo também me ensina a valorizar cada passo do caminho, aprendendo a ser resiliente e adaptativo. Com cada desafio que enfrento, não só melhoro minhas habilidades práticas, mas também fortaleço minha compreensão pessoal. Apesar de ser extenuante em muitos momentos, é incrivelmente recompensador ver o progresso em direção a uma vida mais autêntica e adaptada às minhas necessidades únicas.
Aqui vale ressaltar um ponto: Fugir do esforço por justificativas diversas como: “Ah! Mas isso é uma imposição de uma sociedade neurotipica”, “As pessoas querem fazer que você seja funcional para produzir mais”, “as pessoas tem que me aceitar do jeito que eu sou e pronto”, é apenas acrescentar mais sofrimento. Além de demonstrar um sinal claro que não compreende que para além dos comprometimentos de uma vida com neurodivergências, a experiência humana é construída em adaptação. Essa adaptação exige esforço e desgaste.
O Desgaste: Um Efeito Colateral Necessário, Mas Administrável
Sim, o esforço necessário para viver com neurodivergências é, sem dúvida, desgastante. A energia que eu invisto para me ajustar e adaptar às exigências do dia a dia é significativamente maior do que a requerida por alguém que não enfrenta esses desafios. Esse desgaste, contudo, não é um mero obstáculo ou um sinal de fraqueza. Pelo contrário, ele é um indicativo da minha jornada contínua em busca de uma vida mais plena e funcional. É a minha parte na equação dos processos de inclusão que também exige adaptar-me a ambientes e situações que não foram projetados com minhas necessidades em mente, e é a prova de que estou trabalhando ativamente para que minhas diferenças sejam reconhecidas e respeitadas, não ocultadas ou ignoradas.
Aprender a gerenciar esse desgaste é crucial e tornou-se uma parte essencial da minha rotina. Estratégias como estabelecer limites claros, identificar e priorizar atividades que requerem mais energia, e assegurar momentos regulares de descanso são fundamentais para manter o equilíbrio. Além disso, o apoio de terapeutas, familiares e amigos é vital para me ajudar a desenvolver resiliência emocional e física. Cada passo nesse processo de administração não só me ajuda a evitar o esgotamento, como também reforça a minha capacidade de viver de forma autêntica e satisfatória, honrando minhas neurodivergências e não permitindo que elas definam limites estreitos para a minha vida.
Vida Funcional: Aceitação e Adaptação, Não Conformidade
Quando falo de uma vida funcional para pessoas como nós, não estou sugerindo que devemos simplesmente nos conformar às expectativas do mundo ‘normal’. Pelo contrário, estou falando sobre o desenvolvimento de uma profunda aceitação de quem somos — uma aceitação que reconhece nossas dificuldades sem nos definir por elas e que valoriza nossas habilidades únicas como contribuições válidas e necessárias. A partir dessa aceitação, eu trabalho para construir estratégias pessoais para lidar com o mundo, estratégias essas que precisam ser flexíveis e ajustáveis, pois evoluem à medida que eu cresço e mudo. Isso envolve um entendimento íntimo de como minhas características neurodivergentes afetam minha vida diária e como posso empregar meus pontos fortes para superar desafios e maximizar meu potencial.
Este processo de aceitação e adaptação é contínuo e dinâmico. Significa aceitar os impactos e prejuízos que minhas neurodivergências trazem, mas também reconhecer e investir nas habilidades que possuo. É um equilíbrio entre entender as barreiras que enfrento e as capacidades que posso explorar. Ao desenvolver e refinar continuamente formas de lidar, não apenas reajo às condições ao meu redor, mas também proativo em moldar um ambiente em que posso prosperar. Esse tipo de adaptação consciente não é apenas sobre sobrevivência, mas sobre viver de maneira plena e satisfatória, redefinindo o que significa ser funcional em um mundo que muitas vezes nos vê através de uma lente de deficiência ao invés de diferença.
Distinguindo Esforço de Mascaramento em Nossa Jornada
É crucial entender que o verdadeiro esforço busca a autenticidade e o crescimento pessoal. Quando me esforço, estou trabalhando para ser a melhor versão de mim mesmo, desenvolvendo habilidades e estratégias que me permitem navegar pelo mundo de forma autêntica. Esse tipo de esforço, embora desafiador, é construtivo e leva ao crescimento. O mascaramento, por outro lado, é superficial e temporário — uma forma de esconder quem realmente sou para me encaixar em moldes que não me servem. No curto prazo, pode parecer uma solução fácil, mas a longo prazo é devastador, pois nunca permite que eu seja aceito pelo meu verdadeiro eu.
O mascaramento é, de fato, um dos processos mais danosos que alguém com autismo ou TDAH pode adotar. Diferentemente do esforço e do desgaste, que têm potencial para fortalecer e desenvolver resiliência, o mascaramento gera danos significativos e acentua os desafios existentes. Indivíduos que mascaram suas características neurodivergentes frequentemente relatam exaustão e um profundo sentimento de desconexão de sua verdadeira identidade. Isso não só é psicologicamente desgastante, como também está associado a sérios problemas de saúde mental, incluindo um aumento do risco de depressão e ideação suicida. A necessidade constante de se adaptar a normas sociais que não refletem quem realmente somos pode resultar em consequências emocionais graves e duradouras.
Além disso, o mascaramento interfere na seleção atencional, especialmente em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estudos mostram que o mascaramento pode agravar a capacidade de processar estímulos visuais, causando uma interferência mais profunda e prolongada quando objetos de mascaramento são apresentados em posições laterais, em comparação com crianças neurotípicas. Esses efeitos negativos sublinham a importância de distinguir entre esforço e mascaramento: enquanto o primeiro nos impulsiona para o crescimento, o segundo nos afasta de nossa verdadeira identidade e prejudica nossa saúde mental.
Este artigo é um convite para você, que também pode estar lutando, olhar para dentro e refletir sobre suas próprias lutas. É uma chamada para valorizar o esforço genuíno e entender que adaptar-se não significa perder-se. É, acima de tudo, um lembrete de que cada um de nós tem o direito de viver de forma plena e autêntica, respeitando nossas neurodivergências e utilizando-as como uma força, não como uma fraqueza. Nesse processo, conte comigo!
Abraços do Tio!