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Imagine um ambiente onde a linha entre o máximo desempenho e a exaustão é tão tênue que a tentação de cruzá-la com um “empurrãozinho” químico se torna quase irresistível. Bem-vindo ao mundo corporativo brasileiro moderno, onde a prevalência do uso de “smart drugs” ou drogas da inteligência é uma realidade cada vez mais palpável. Esse cenário não é apenas um reflexo da busca incessante por produtividade; é um sinal de alerta sobre até onde estamos dispostos a ir para alcançar o sucesso e manter-nos competitivos.

As “smart drugs” referem-se a uma classe de medicamentos prescritos para tratar condições médicas específicas, como o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e narcolepsia. Entre esses medicamentos, destacam-se os estimulantes como o metilfenidato e a modafinil, conhecidos por aumentar a concentração, a memória e a capacidade de permanecer acordado por períodos prolongados. Originalmente destinados a auxiliar indivíduos diagnosticados com as condições mencionadas, esses fármacos encontraram um novo público: profissionais saudáveis em busca de uma vantagem no altamente competitivo mercado de trabalho.

A questão é complexa e multifacetada. Por um lado, temos indivíduos lutando para atender a demandas de trabalho cada vez mais intensas, recorrendo a essas substâncias na esperança de melhorar seu desempenho e produtividade. Por outro, enfrentamos as implicações éticas, de saúde e sociais de tal prática. À medida que nos aprofundamos nesta realidade, é crucial questionar: estamos assistindo ao surgimento de uma nova norma no ambiente de trabalho, onde o doping de produtividade não só é tolerado, mas, em alguns casos, veladamente incentivado? Este é o momento de abrir os olhos para uma tendência que pode estar redefinindo os limites do que consideramos aceitável em nome do sucesso profissional.

A Ilusão da Superprodutividade

Um levantamento impactante realizado pela House of Brains revela um cenário preocupante: 90% dos executivos de grandes companhias no Brasil acreditam que membros de suas equipes recorrem a medicamentos para melhorar o desempenho no trabalho. Este dado não apenas evidencia a crescente pressão por resultados excepcionais no ambiente corporativo mas também reflete uma profunda mudança cultural em direção à valorização excessiva da produtividade. No entanto, para 38% desses líderes, a responsabilidade pelo uso de “smart drugs” recai sobre o indivíduo, não sobre a empresa, sinalizando uma desconexão preocupante entre a realidade dos colaboradores e a percepção da liderança.

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O ambiente de trabalho contemporâneo está impregnado de uma cultura que glorifica a superprodutividade, transformando-a em um valor supremo. Esta cultura cria um terreno fértil para o doping de produtividade, onde a busca incessante por eficiência máxima e a pressão constante por desempenho superior impulsionam indivíduos a buscar soluções farmacológicas para se destacarem ou simplesmente acompanharem o ritmo. A motivação para recorrer a essas substâncias muitas vezes vem do medo de ficar para trás, da ansiedade por não atender às expectativas e do desejo de se sobressair em um mercado cada vez mais competitivo.

Os Riscos Ignorados

Apesar dos aparentes benefícios imediatos, o uso não prescrito de medicamentos destinados ao tratamento de condições como TDAH carrega consigo uma série de riscos graves. A dependência é uma das consequências mais preocupantes, mas os efeitos colaterais podem variar de problemas cardíacos a alterações psicológicas, incluindo ansiedade e depressão. Além disso, a automedicação e a falta de supervisão médica podem levar a interações medicamentosas perigosas e a uma gestão inadequada das dosagens, potencializando os riscos para a saúde física e mental.

Este comportamento não apenas coloca em risco a saúde individual dos profissionais mas também tem implicações mais amplas. Afeta a maneira como entendemos e valorizamos o trabalho e o bem-estar no ambiente corporativo. Ignorar os perigos associados ao uso indevido dessas substâncias contribui para uma cultura de negação que prejudica a saúde dos trabalhadores e a sustentabilidade das práticas de trabalho.

A discussão trazida à tona pelo estudo da House of Brains é um convite urgente para repensarmos nossa relação com o trabalho e a produtividade. É essencial vencer o tabu e falar abertamente sobre o uso de “smart drugs” no ambiente corporativo, não como um fenômeno isolado da responsabilidade individual, mas como um sintoma de uma cultura empresarial que precisa ser urgentemente revisitada. Somente assim poderemos construir ambientes de trabalho que valorizem a saúde, o bem-estar e a produtividade sustentável, sem que seja necessário recorrer a atalhos perigosos.

Aqui, nos deparamos com uma realidade ainda mais preocupante: a Cultura de Hiperprodutivismo. Definida como a romantização do esforço e do desgaste em busca do sucesso, essa cultura falha em reconhecer os prejuízos envolvidos no processo. Essa mentalidade tem inundado os feeds das redes sociais, promovendo uma visão distorcida do que significa ser bem-sucedido. Este contexto serve como pano de fundo para discutirmos o custo oculto para a sociedade e a necessidade de reavaliarmos nossos valores no ambiente de trabalho – Júlio Diógenes

O Custo Oculto para a Sociedade

A adoção generalizada de “smart drugs” para potencializar o desempenho não só coloca em risco a saúde individual, como também traz consequências sociais significativas. A escassez de medicamentos para quem realmente necessita é uma dessas consequências, evidenciando uma falha crítica em nosso sistema. Pessoas com diagnósticos legítimos de TDAH e outras condições encontram dificuldades crescentes para acessar tratamentos essenciais, uma vez que a demanda artificial eleva os preços e esgota os estoques.

Ademais, a competição baseada em vantagens artificiais mina a equidade no local de trabalho. Essa dinâmica gera um ciclo vicioso, onde a necessidade de manter-se competitivo incentiva práticas insustentáveis, afetando negativamente a cultura organizacional e promovendo um ambiente de trabalho onde o bem-estar é frequentemente negligenciado.

Aqui, um questionamento: Produtividade é realmente o único marcador de sucesso?

A cultura de hiperprodutivismo nos empurra para uma visão unidimensional do trabalho, onde o valor de um indivíduo é medido exclusivamente pela sua capacidade de produzir. Precisamos ampliar nossa percepção de sucesso, reconhecendo que a saúde, o bem-estar e a satisfação pessoal são igualmente importantes. Promover um ambiente de trabalho saudável e sustentável, que equilibre as demandas de produtividade com o bem-estar dos funcionários, é não apenas benéfico, mas essencial para a longevidade de qualquer organização.

#NoFrigirDosOvos

Dessa vez, preciso ser mais direto: Repense sua obsessão pela produtividade. Estamos sacrificando nossa saúde e bem-estar em altares construídos de metas inatingíveis e sonhos de eficiência das redes sociais?

É hora de desafiar a tirania da hiperprodutividade. Não deixe que a cultura de trabalhar até a exaustão, sob a falsa promessa de sucesso, devore sua vitalidade e humanidade. Chegou o momento de reivindicar o equilíbrio, priorizando o bem-estar acima de uma eficiência insustentável. Levante-se, questione, transforme. Não se conforme. Seja o catalisador da mudança em seu ambiente de trabalho.