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Você já ouviu que todo autista é super inteligente ou que não gostamos de trabalhar com pessoas? Acho que você também já ouviu que nem parece ter autismo ou “é bem levinho”?Esses são apenas alguns mitos comuns no dia a dia que quero abordar hoje e, quem sabe, mudar ou ampliar sua percepção Simbora?

por Júlio Diógenes


Para começar, é sempre bom pontuar para os visitantes de primeira viagem por aqui, sou alguém que vive diariamente com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Para quem me conhece de longa data, não é novidade que minha “bateria social” tem um limite — e esse limite tem preço. As mudanças de humor dado o desgaste e esforço envolvido no processo de controle inibitório são parte intrínseca do meu cotidiano. Curiosamente, uma das observações mais frequentes que recebo é:

“Nossa! Você nem parece ter Autismo. TDAH, sim, mas você é tão sociável! Se comunica tão bem. É inteligente (mas todo autista é, não é?)”, com um leve toque de humor.

O que muitas pessoas não sabem — talvez nem você — é que cada vez que subo num palco, cada palestra que ministro, cada reunião em que participo, estou simultaneamente lidando com um turbilhão de ansiedade. O mindfulness é uma das estratégias que emprego não para evitar, mas para gerenciar esses momentos. A ansiedade e a hiperestimulação passam por mim; elas não são bloqueadas, nem impedidas. Mas, deixemos essa discussão para um outro artigo.

Por que é crucial discutir e desmistificar o autismo, especialmente no ambiente de trabalho? Desconstruir mitos não é apenas sobre ajustar percepções; é sobre criar espaços que valorizam verdadeiramente as capacidades e as necessidades individuais.

Mas afinal, quais são esses mitos e como eles afetam as pessoas com autismo?

Mito 1: Pessoas com Autismo Não Conseguem Trabalhar em Equipe

Oh, o velho clichê do lobo solitário que foge da mínima sugestão de trabalho em equipe! A verdade é que esse mito não só subestima nossa capacidade de colaboração, mas também ignora completamente a diversidade de habilidades e preferências dentro do espectro autista. Vamos esclarecer uma coisa: muitos de nós são excepcionalmente bons em trabalhar em grupos, contanto que as condições sejam as corretas.

Quando o ambiente de trabalho está adaptado às nossas necessidades, com comunicação clara e estruturas organizadas, muitos autistas não apenas conseguem, mas também prosperam em equipes. Por exemplo, nossa atenção aos detalhes e habilidade para seguir processos meticulosamente podem ser ativos inestimáveis em qualquer projeto coletivo.

Portanto, antes de assumir que alguém com autismo não pode ser um jogador de equipe, pergunte-se se o ambiente de trabalho está realmente projetado para incluir todos. E, falando em inclusão e percepções equivocadas, será que as pessoas com autismo são todas introvertidas?

Mito 2: Pessoas com Autismo São Sempre Introvertidas e Socialmente Desengajadas

Ah, o clássico estereótipo do autista introvertido e desengajado socialmente, sempre à margem das interações. É como se a sociedade tivesse um roteiro pronto sobre como nós “deveríamos” agir. Mas deixe-me contar um segredo: a diversidade de traços sociais entre pessoas com autismo é tão vasta quanto o oceano é profundo. Sim, alguns de nós somos introvertidos, mas isso não nos define universalmente.

Na verdade, muitos autistas, têm uma enorme vontade de se conectar com outros e participar ativamente de interações sociais. O que precisamos, mais do que qualquer coisa, é de um ambiente que respeite nossas necessidades sensoriais e nossos ritmos únicos. Quando esse espaço é criado, muitos de nós florescemos em ambientes sociais, contribuindo com perspectivas únicas e enriquecendo as dinâmicas de grupo.

Então, da próxima vez que você pensar em um autista como alguém que “prefere” a solidão, lembre-se de que a realidade é muito mais colorida e diversificada do que essa visão monocromática.

Leve em conta que comunicação envolve diversos fatores, não só a fala!

Mas, “Entendi que esses dois são mitos. Mas que bom que todo autista é super inteligente e com habilidades acima da média, né? Eu tenho um sobrinho que é incrível!”

Mito 3: Todas as Pessoas com Autismo Têm Habilidades Extraordinárias

O mito do autista “savant”, brilhante e superdotado, é um dos mais populares — e enganosos. É verdade, alguns de nós temos habilidades excepcionais, mas elevá-las como uma expectativa padrão para todos no espectro é tão realista quanto esperar que cada pessoa que joga futebol se torne um Pelé ou um Maradona.

As habilidades das pessoas com autismo variam amplamente, exatamente como na população em geral. Alguns de nós somos excelentes em matemática, enquanto outros brilham nas artes, ou talvez sejamos apenas medíocres em tudo, mas tentamos o nosso melhor — e não é isso que realmente conta? O essencial é reconhecer cada pessoa por suas habilidades individuais, sem estereótipos ou expectativas irreais.

E a flexibilidade? Pessoas com autismo realmente não podem lidar com mudanças?

Mito 4: Pessoas com Autismo Não São Flexíveis e Não Podem Lidar com Mudanças

Agora, mais um clássico: somos criaturas de hábitos imutáveis, incapazes de se adaptar às mudanças. Essa visão nos pinta como robôs programados, presos em loops infinitos de rotinas e rituais. Claro, a estabilidade e previsibilidade são importantes para muitos de nós, mas isso não nos torna incapazes de lidar com o novo ou o inesperado. Tenho a impressão que as pessoas assistem muito The Big Bang Theory com o Sheldon ou God Doctor. Dois personagens com esteriótipos bem definidos e que interferem bastante na forma como reconhecemos e validamos pessoas com autismo, mas esse também é papo para outro artigo: como as séries e filmes mudam a imagem da pessoa com autismo.

A realidade é que muitos autistas podem aprender a gerenciar mudanças efetivamente, especialmente quando são fornecidas as ferramentas adequadas. Estratégias simples, como comunicação clara sobre mudanças iminentes, treinamento em habilidades de adaptação, e a criação de estruturas de apoio, podem fazer uma diferença monumental. Algumas abordagens incluem o uso de calendários visuais para antecipar eventos, práticas de role-playing para simular novas situações, ou mesmo técnicas de mindfulness para gerenciar a ansiedade associada às mudanças.

Portanto, ao invés de nos etiquetar como inflexíveis, que tal considerar como os ambientes e sistemas podem ser ajustados para aproveitar nossa capacidade de adaptação? Mas, falando em adaptação, o autismo é sempre visível, certo? ERRRROUUUUU!!!!!!

Mito 5: O Autismo é Sempre Visível

Quantas vezes você já ouviu alguém dizer “mas você não parece autista”? Eu ouço, literamente, todos os dias. Quando não vem acompanhado de um “mas é bem levinho, né?”.

Este mito parte da falsa premissa de que o autismo é sempre visível, manifestando-se através de sinais claros e reconhecíveis por todos. Esta ideia perpetua uma visão estereotipada e limitada, desconsiderando a complexidade e a diversidade do espectro autista e, como falei acima, é fruto da forma como nos foi apresentado o autismo, nas propagandas, filmes e séries. Apesar de dar voz, a “cara” nem sempre é bem desenvolvida e acaba por estereotipar ao invés de esclarecer e incluir.

O autismo, por definição, é um espectro, o que significa que varia enormemente de pessoa para pessoa. Alguns podem ter características mais visíveis, enquanto outros não apresentam sinais externos óbvios. Isto pode levar a desafios significativos, como a falta de reconhecimento e suporte adequado, porque se presume que, se não é visível, não está lá.


Esses são apenas 5 mitos de tantos outros que posso e vou abordar por aqui. O importante entender é que inclusão não se trata apenas de abrir a porta; é sobre remodelar os espaços, virar as atitudes de cabeça para baixo e ajustar políticas para que todos, sem exceção de suas neurodiversidades, possam não apenas entrar, mas se desenvolver em e com suas particularidades.

Quais outros mitos você conhece que precisam ser postos à prova? Jogue suas ideias nos comentários e vamos manter essa conversa viva.

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