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A idade chega, e os desafios aumentam – vale para todos, mas especialmente para quem vive com TDAH e autismo. “Minha Jornada com Foco e Caos” é sobre minha experiência de voltar a tratar os sintomas, enfrentando silêncios cortantes, emoções à flor da pele e a busca por equilíbrio em meio ao caos diário. Reflexões, dúvidas e pequenas vitórias compõem essa caminhada intensa. Pronto(a) para o foco… no caos?


Parte 1: O Impacto da Retomada

“Bem-vindos à montanha-russa química da primeira semana!” Foi mais ou menos assim que me senti, com algumas surpresas boas, outras nem tanto, e aquele gostinho agridoce de ‘será que é assim mesmo?’. Não vou mentir, achei que o início seria mais tranquilo, mas, claro, estamos falando de mim e de lisdexanfetamina. Nada aqui é exatamente “tranquilo”.

Antes de entrar no impacto específico do novo tratamento, é importante contextualizar o ponto de partida. Sigo há anos com o uso contínuo de Depakene e Lamotrigina para controle da epilepsia. Esses medicamentos têm seus próprios efeitos colaterais – e não são leves. O mais presente? Sonolência intensa pela manhã. É como carregar um peso que você nunca consegue soltar por completo. Aqui, o dilema é constante: enfrentar crises convulsivas e episódios de ausência sem os remédios ou aceitar os efeitos colaterais. Escolhi a segunda opção, por ser a única viável para me manter funcional, mas não significa que seja fácil.

Retomar a medicação para TDAH, especificamente lisdexanfetamina, após 10 anos, foi um choque. Durante esse tempo, me acostumei ao ruído constante da mente, à multiplicidade de estímulos, e aprendi a ser produtivo em meio ao caos. Então, quando a medicação trouxe um tipo de silêncio e foco, foi ao mesmo tempo um alívio e uma angústia. O silêncio pode ser ensurdecedor – uma frase que ganhou outro significado na prática.

A primeira semana trouxe mais do que a persistente irritabilidade – e vamos falar disso com mais humor do que desespero. Tem sido estranho perceber que estou mais atento a detalhes que antes me escapavam como água entre os dedos. É quase como encontrar algo que você não sabia que perdeu. E sobre a produtividade? Parece que o botão de turbo foi ativado. Se antes minha mente era uma casa bagunçada, agora há pelo menos uma tentativa de ordem. Claro, algumas gavetas ainda caem quando você as abre, mas isso é um avanço.

Algo que me surpreendeu positivamente foi a redução de um hábito curioso (e frustrante) ao escrever: esquecer palavras no meio do texto. Imagina ler e reler algo e, na sua cabeça, tudo parece estar lá, mas, no papel, algumas palavras simplesmente desapareceram. Para quem me ouve lendo, o texto sai completo. No papel? Um buraco no meio da frase. Não se trata de um transtorno de aprendizagem específico, mas de algo que me acompanha há muito tempo. Com a medicação, esse “apagão” tem se tornado menos frequente. Consigo dar forma às ideias com mais clareza, sem sentir que algo se perdeu no caminho. É um detalhe, mas, para quem vive disso, é uma vitória.

Parte 2: A Intensificação das Emoções

Agora, uma coisa que ninguém me contou é que o foco excessivo trazido pela medicação não escolhe só produtividade. Ele pega carona nas emoções também. De repente, tudo que eu conseguia “administrar” ou ignorar está na minha cara, com uma clareza cortante. Tristezas que eu deixava de lado, angústias que eu disfarçava com a correria do dia a dia… agora não têm mais para onde fugir. É como se cada sentimento estivesse debaixo de uma lente de aumento, gritando por atenção.

E isso me trouxe de volta um hábito que eu já conseguia gerenciar melhor, mas que agora tem sido bem mais desafiador: falar sozinho. Não é só uma conversa solta; é como se eu ensaiasse diálogos inteiros, carregados de angústia, tristeza, ou qualquer outra emoção que estivesse à flor da pele. Falo tudo – e falo muito. Seja para simular uma conversa com minha mulher, um colega de trabalho ou um cliente, eu me pego processando tudo em voz alta. Quando chega a hora da conversa real, sai tudo mais polido, filtrado, com os ajustes necessários. Mas todo o sentimento cru que explodi em mim enquanto ensaiava permanece. É um fardo que não desaparece quando a conversa termina. O outro recebe o alívio, eu carrego a carga.

Por fim, o foco das ideias. Se antes parecia um enxame incontrolável, agora tenho uma sensação maior de controle, de colocar as peças no lugar certo e executar com mais clareza. Não é que as ideias diminuíram, mas, pela primeira vez em muito tempo, elas estão organizadas. E isso é poderoso. Um pequeno alívio em meio ao caos, um respiro que se faz necessário. Vamos ver como será o desenrolar disso – e, claro, seguiremos com mais relatos dessa jornada.


E você? Já parou para pensar no que o excesso de foco pode fazer com as suas emoções? Se tem experiências, dúvidas ou só quer trocar ideias, comenta ou me manda uma mensagem. Vamos desbravar essa estrada juntos! #VemComOTio